21 anos. Exímio ladrão de pedaços de animais.Alguém que se importa.

Uma alma sensí­vel.


18s
Aleatorium
Antimyxo.
Endorphina
Kill your Idols
Kool Thing
Necrometrópole
Reservatório
The Offender


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[quinta-feira, dezembro 07, 2006]

Dos Morteiros

O sol se põe. Algumas pessoas, de pé, cortejam o corpo de um velhinho que, chegada sua hora, trocou o asilo por sua moradia derradeira no além. Os homens procuram disfarçar o choro, escondendo as bocas trêmulas com os punhos direitos, sustentados pelos braços esquerdos que, cruzados à altura do diafragma, seguram os cotovelos. As mulheres, menos dissimuladas (ou talvez mais, nunca se saberá ao certo), entregam-se ao desamparo do adeus. Algumas pessoas, do lado de fora, falam aos celulares, procurando consolo, talvez, naqueles que estão longe demais para enxugar suas lágrimas com o peito da camisa. Ou talvez só estejam mesmo matando tempo - velórios são maçantes. Tios reencontram seus sobrinhos. "Oh, como você cresceu!", arrisca um sobrinho, dirigindo-se a um tio obeso mórbido. Os homens da família encontram-se na lanchonete contígüa à sala em que se desenrola o velório para beberem alguma coisa. "É pena que a família só se reúna nessas horas", algum deles haverá de dizer. Todos concordarão, segurando seus copos molemente com seus dedos preguiçosos, encurvados sobre o balcão, onde estarão apoiados seus cotovelos. Silêncio. Um deles, subitamente: "finalmente o velho ficou duro!". Risos velados.
De volta ao velório, Jorge, que gostava de ter sobre si todas as atenções, decide fazer um discurso para acalentar os corações que sofrem. "Meus caros familiares", começou, "é com imenso pesar que me reúno agora com vocês". Passou as costas da mão sobre os olhos, lentamente, olhou para baixo e respirou fundo. "Nesse tipo de situação percebemos a pequenez da vida. Sua insiginificância. Passamos por momentos de provação, mas a vida deve seguir. Nosso bom parente se foi, mas tenho certeza de que se foi com plena consciência de ter vivido com intensidade e de ter aproveitado cada momento, e é certo que se vai com um sorriso no rosto".
O calor das velas começara a derreter, algumas horas antes, a maquiagem do cadáver, que escorrera pelas curvas do rosto e, desconfigurando a expressão de serenidade, o leve sorriso, adquiria agora, aos poucos, os contornos de alguém que sofre das perfídias de uma apendicite.
Prosseguiu. "Não podemos deixar o tempo nos vencer. Sua beleza trágica é hipnotizante e precisamos enfrentá-la de frente, embora corramos o risco de ter nossa juventude sacrificada nessa luta desleal. Muitas vezes, no calor da batalha, os anos se passam sem que nem os percebamos. Vejam só, nosso querido parente se foi e, não há muito, ainda estava de fraldas".
Olhares furiosos lançaram-se contra Jorge. Alguns parentes se levantaram e exigiram que se retirasse. Lembrou-se, então, do derrame que acometera o defunto alguns anos atrás e que o havia presentado com uma incontinência urinária.
Jorge nunca mais foi recebido para qualquer reunião familiar. Nem mesmo para os churrascos e batizados.


por Caniço Duvidosamente Pensante às
| 1:45 AM.

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[terça-feira, dezembro 05, 2006]

Das Vinganças

Miguel trabalhava na Kid Napkin Co., poderosa multinacional do ramo dos guardanapos temáticos, e vivia uma vida feliz. Funcionário dedicado havia anos, Miguel era um dos nomes mais cotados para assumir o cargo de vice-diretor da empresa. Tudo em sua vida parecia certo e resolvido; afinal, Miguel já era quase-vice-diretor. Um dia, porém, como não pode deixar de acontecer em histórias como esta, e como o bom leitor sempre há de esperar, seja por sadismo, seja por vontade de ver os outros quebrarem as pernas, o futuro de Miguel foi abalado.
A nova linha de guardanapos com frases bíblicas e motivos de "O Rei Leão" foi impressa às pressas e as imagens e textos acabaram sendo trocadas por imagens e textos de "O Rei Lear". Quando o engano foi percebido, já era tarde demais. O produto já havia sido distribuído por lojas de todo o país. Caos, destruição, morte. Crianças com bocas sujas procuravam alento nos guardanapos onde outrora se lia "'Nomeou-o senhor de sua casa e governador de seus domínios.' (Sl 104,21)" e via-se o risonho rosto de Simba, e agora recebiam com horror o velho Lear e sua apoteótica desvairice: "''Tis a naughty night to swim in.'King Lear, 3. 4".
Os diretores da empresa, que já estava sendo investigada por uma denúncia anônima de que a matéria-prima de seus guardanapos era feita a partir de meninos de rua desaparecidos, se apressaram em achar culpados. Miguel, responsável pelo conselho responsável pelo departamento responsável pela seleção de imagens e textos bíblicos, onde, descobriu-se, um estagiário irresponsável havia feito seu trabalho de qualquer forma, para poder ficar mais tempo assistindo a pornografia na internet e, desavisado, havia selecionado as imagens e os textos errados, foi logo tido como o principal responsável pelo incidente. Miguel foi demitido.
Acostumado com o setor de guardanapos, Miguel já não se adaptava em nenhum serviço. Desempregado, Miguel não conseguia nem entrega-se à bebida; todos os bares, por mais porcos que fossem, tinham guardanapos no balcão, e sua simples visão era suficiente para levar Miguel ao pranto.
Miguel não agüentava mais. Logo, sua única motivação para continuar vivendo era vingar-se do causador de sua tragédia, o estagiário onanista, e ele já estava com a mão na massa, nesse sentido - Miguel, não o estagiário -, para executar seus planos.
Miserável, deixou os cabelos crescerem por dois anos e os vendeu, para, com o dinheiro, comprar um pé-de-cabra. No dia seguinte à compra, dirigiu-se ao prédio da Kid Napkin Co. e esperou. Esperou até o estagiário chegar. Enfim, após oito horas de vigília, Miguel lembrou-se que a empresa não funcionava aos sábados e resolveu que precisava dormir. Encostou-se numa parede e o fez, de pé. Sonhou que o estagiário havia sido promovido a vice-diretor, seu cargo de direito, e que agora passava horas sem fim vendo pornografia na internet. Acordou sobressaltado. Suava. Olhou para o estacionamento a tempo de ver seu alvo se aproximando. Aguardou. O estagiário estacionou seu novo carro - fruto de uma promoção, talvez! - e entrou no prédio.
Miguel aproximou-se e, com o pé-de-cabra, entortou a parte superior da porta dianteira direita. Satisfeito, foi-se embora.
Findo o expediente, o estagiário dirigiu-se a seu carro. Estranhou a porta arregaçada, checou o interior do veículo, não deu por falta de nada e resolveu ir embora. No dia seguinte levaria o carro ao funileiro. E assim fez. Quatro dias depois, estava com seu carro como novo.
Estacionou como sempre fazia, no estacionamento da empresa, e foi trabalhar. Nos olhos de Miguel, que durante todo esse tempo ficou esperando, parado, empunhando seu pé-de-cabra, reacendeu-se o brilho outrora baço. Repetiu seu vandalismo.
O dia terminava e o estagiário retornou para seu carro. A porta estava arrombada de novo. Inquieto, verificou seus pertences e foi embora. No dia seguinte, arrumou o carro.
E assim passaram-se dois meses. O estagiário consertava, Miguel entortava.
Cansado com a situação, o estagiário resolveu que não iria trabalhar naquele dia, mas que ficaria vigiando seu carro. Ficou à espreita, na esperança de descobrir quem estava fazendo aquilo.
Miguel saiu de seu esconderijo, como sempre, e dirigiu-se ao carro, como sempre. Encaixou o pé-de-cabra na lataria do carro e preparou-se para empurrá-lo, com um sorriso no rosto e com os olhos vidrados. Súbito, ouviu:
- Oi?
Era o estagiário.
- Hã... oi. - respondeu
- Esse aí é o meu carro.
- É... tô sabendo.
- Hum... e por que é que você está com um pé-de-cabra fincado no meu carro?
- Ah... sei lá. Pensei que talvez fosse um bom modo de me vingar de você.
- Se vingar de mim? Por quê?
E Miguel explicou sua história, deliciando-se com os detalhes.
- Aí eu pensei: por que não me vingar dele? Quer dizer, eu posso arrombar a porta do carro dele até levar ele à falência, com o preço do conserto.
- Ah. Sim. Entendi. Bem... pode continuar com o que estava fazendo.
- Obrigado.
Assim, o estagiário foi trabalhar. Nos dias que se seguiram, o carro continuou com a porta arrombada. Miguel resolveu esperar mais algum tempo; talvez o estagiário não tivesse conseguido levar o carro para arrumar. Meses se passaram e a porta continuava amassada.
Um dia, resolveu abordar o estagiário.
- Pô, cara, por que é que você não arruma a porta?
- Ah, pra você estragar de novo?
- Bom, é.
- Achei melhor deixar como está.
- Mas... fica tão feio!
- Eu até que estou começando a achar meio... sei lá... moderno.
- ...não! O que é que eu vou fazer agora?
- Olha, eu ainda tenho três portas.
- Mas eu quero aquela.
- Sinto muito.
E assim, Miguel nada mais podia fazer. Desiludido, abriu mão de tudo e resolveu dedicar-se à pescaria esportiva.


Guardanapo.


por Caniço Duvidosamente Pensante às
| 6:02 PM.

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