[terça-feira, julho 31, 2007]
Da reavaliação
Resolvi comemorar os três anos e sete meses deste blog relendo-o inteiro. Cerca de trinta posts, praticamente todos de 2004, foram excluídos por denotar um certo tipo de humor bastante... peculiar (leia-se: lingüisticamente intolerante, etnocêntrico, racista, machista, feminista, sexista em geral, homofóbico, heterofóbico, xenófobo, anti-semita, discriminista, chauvinista, estereotipista etc). Amigão da galera que sou, excluí os que tive por mais exagerados (leia-se: vexaminosos) a fim de evitar complicações (leia-se: processos legais) perante a vastíssima multidão de leitores deste simpaticíssimo veículo de comunicação.
O motivo de existência deste post é a justificativa perante os fiéis leitores (leia-se: o cara que procura "gordinhos nus" no google há mais de dois anos e, por algum motivo, sempre cai neste blog) acerca da redução drástica nos arquivos. É claro que este post também serve como prova legal (?) do meu arrependimento sobre todas as coisas que eu disse contra os ignorantões da linguagem - assassinos! -, os pretos e suas armas de fogo, as mulheres (que, sabe Deus como, aprenderam a ler) e os homens (limitados, grosseiros e, acima de tudo, intolerantes com os diferentes, seus irmãos), os boiolas em geral, que sempre vêm com essas viadagens de "respeito", esses imigrantes e migrantes que roubam nossos empregos e os judeus - que, gananciosos que são, não perderiam a oportunidade de processo.
Respeitosamente,
Humberto.
por
Caniço Duvidosamente Pensante às
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2:21 PM.
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[quinta-feira, julho 19, 2007]
Da fealdade
Hermengarda era feia, não havia como negar. Seu rosto guardava qualquer semelhança com a cabeça de um feto consumido por chamas extintas a golpes de tamanco de madeira de salto agulha. Hermengarda, ciente de sua condição, buscava refúgio nos contos de fadas. Sempre o fizera. Em seus pensamentos, ela, princesa, esperava por um sujeito bom, honesto, humilde e que detivesse um bom manejo de objetos pontiagudos em geral. Não obstante, sua vida amorosa não era muito feliz. Somente os rapazes mais simpáticos - e desesperados - se aproximavam dela e, quando o faziam, faziam-no apenas para atender a seus impulsos catárticos. Hermengarda estava certa de que os rapazes que habitualmente a visitavam não buscavam compromisso e isso doía seu coração sonhador.
Em algum ponto mais longínqüo da nossa narrativa, uma família de linhagem nobre mudou-se para a cidade de Hermengarda. Logo, Jonas, filho dos ilustres novos moradores, ganhou destaque no círculo social de Abacateiro do Oeste. Bonito, culto e atlético, arrancava suspiros por onde passava. Não tardou em ser conhecido por Hermengarda, que logo caiu de amores por ele, embora este insistisse em ignorá-la e, nas vezes em que fosse impossível desviar o olhar, precisasse utilizar um pequeno lencinho com suas iniciais bordadas para sufocar a ânsia que já se anunciava através de sua campainha.
Por meses Hermengarda nutriu suas fantasias mais nobres. Imaginava-se sentada ao pé da lareira a bordar casaquinhos azuis para seus gêmeos varões enquanto Jonas, seu marido, lia o jornal do dia e trabalhava os bíceps. Bem à noitinha, após colocar os bebês para nanar, Hermengarda preparava um delicioso jantar para seu esposo, mas nada de carboidratos, porque Jonas queria deixar o corpo bem sequinho.
Depois de fantasiar por tanto tempo, Hermengarda resolveu declarar-se. Não cabe aqui entrar em detalhes sobre o diálogo travado entre os dois pombinhos, embora seja possível resumir o teor da conversa em uma única frase de Jonas, que disse preferir fazer amor com o pé de uma mulher gorda a afeiçoar-se a uma criatura tão pavorosa.
Desolada, Hermengarda tentou ganhar alguns quilos, imaginando ter talvez uma chance com seu objeto de admiração. Sua origem humilde, porém, foi mais forte do que sua persistência. Acabou por comer todo o alimento que sua família podia comprar, levando inclusive um de seus irmãos mais novos à morte por inanição.
Amordaçada e acorrentada à própria cama pela família, a fim de evitar novo incidente alimentar, Hermengarda chorava sem intervalos. Algumas semanas depois, seu pai, compungido, sentou-se ao pé de sua cama e leu para ela uma daquelas história que tanto gostava. Tratava-se de A Nova Roupa do Imperador, história sobre um soberano que mandara dois vigaristas confeccionar para si uma roupa costurada a partir de um tecido especial cuja existência somente era perceptível àqueles de certo nível intelectual. Terminada a leitura, Hermengarda fez menção de falar. O pai afrouxou um pouco - só um pouco - a mordaça.
- Purrxa bida, bai. Queria eu der algum acefório que pudefe me mostrar quais chão as pessoas que balem a pena - disse, mastigando o tecido que lhe cobria a boca.
- Bem, filha, você já tem. A sua feiúra. Você é horrível. Qualquer pessoa que se aproxime de você - exceto aqueles pobres rapazes excluídos, desesperados e que não conseguem pegar ninguém que aparecem por aqui de vez em quando para afogar os hormônios - deve estar bem-intencionada, porque é praticamente impossível chegar-se à conclusão de que qualquer tipo de interesse não-nobre valeria a pena, tendo em vista o dragão que você é - respondeu seu pai, enquanto acariciava seus cabelos carinhosamente.
- É berdade! Obrigado, babai!
O tempo passou e Hermengarda deixou-se estar. Agora que sabia que aquele que se aproximasse dela seria seu homem bom, honesto, humilde e que detivesse um bom manejo de objetos pontiagudos em geral, vivia de esperar.
Vinte anos se passaram.
Mais vinte se passariam, não fosse Eurico, um beberrão de cinqüenta e três anos viciado em lipídios que teve sua segunda Safena implantada e decidiu que era hora de se assentar. Parou de beber, entrou em dieta da lua e decidiu por casar-se, para ter alguém para tomar conta de si. Infelizmente, casar não foi tão fácil quanto Eurico havia imaginado. Com seus cinqüenta e três anos e quase o triplo de quilos, não era exatamente o que se pode chamar de um bom partido. Eurico tentou todas as possibilidades de casamento, todas. Chegou até a sondar alguns homens da cidade antes de conformar-se com a idéia de que sua única opção seria Hermengarda. Por fim, pediu-a em casamento. A cerimônia foi realizada em caixão lacrado - sim, foi preciso enfiá-la em um caixão para que o padre pudesse comparacer à cerimônia.
Dois dias depois do casamento, Eurico parou de parar de beber, embora demonstrasse bastante humildade quando o assunto tratava de suas habilidades ebriáticas, e mostrou-se novamente bastante hábil no manejo do garfo e da faca, que voltaram a talhar as mais grossas camadas de banha animal. Hermengarda finalmente encontrara seu príncipe.
por
Caniço Duvidosamente Pensante às
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1:38 PM.
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