Sertãozinho do Sul não era uma vila muito diferente das demais. Seus menos de mil habitantes dedicavam-se à lavoura e, nos dias de festas, reuniam-se em torno da praça central - a única, que na verdade se localizava na porção leste da cidade e era esboçada pelo encontro de uma única rua com ela mesma. Ali acontecia, nos citados dias, um disputadíssimo campeonato de pega-varetas, oferecido pela família mais importante da cidade, os Wilbsburg Var Ões, que recebera o único conjunto de palitos das redondezas como presente de Dom João VI, a quem um ascendente remoto da família havia prestado serviços e que vinha sendo passado como herança de geração a geração.
As partidas eram quase sempre regadas a sangue, visto que, normalmente, os perdedores não se conformassem com a derrota e, na maior parte das vezes, empunhassem uma das varetas do jogo e desafiassem o oponente para um duelo de vida ou morte. Como as varetas não eram muito afiadas, era habitual que se passassem algumas horas até que algum dos combatentes desabasse.
O controle populacional, assim como todo o ritmo da região (no que se incluía também todo o calendário agrícola, com as épocas de plantio e de colheita) era determinado pela prática desse esporte radical. E assim as coisas permaneceram, até que Varoa, uma vira-latas que vivia na praça, abocanhou e comeu todo o conjunto de palitos, que, por também serem usados para o preparo de churrascos durante os intervalos dos jogos, estavam cheios de restos de carne, que atraíram a atenção da cadela.
Em um surto de desespero, alguns dos habitantes sugeriram abrir a barriga do animal e retirar de lá os palitos, idéia que teria sido executada, não fosse a falta de um objeto cortante, agora que os palitos haviam sido engolidos.
Vencidos, os habitantes retornaram a suas casas, cabisbaixos. Toda a cidade era silêncio.
A única esperança dos moradores foi frustrada quando, ao tentar defecar, Varoa perfurou o próprio estômago e morreu.
Meses se passaram desde o trágico incidente. Desde então, não se falava mais em parte alguma da vila. A mão que segurava a enxada na lavoura agora molengava (isto é uma metáfora, gente) devido à falta de exercícios, uma vez que não havia mais varetas.
Aos poucos a cidade foi devorada por uma onda de depressão. Já não havia mais vontade de viver. Diz-se por aí que, numa tarde fria de outono, um cortejo dirigiu-se à praça central, na qual ainda se encontrava o esqueleto da vira-latas, onde, devido a ação dos fluidos internos e do tempo, os palitos jaziam amolecidos, quebradiços e impróprios ao uso, e, com suas centenas de faces viradas em direção ao esqueleto do animal, sentou e esperou pela morte.